HA MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI...
(São João, cap XIV, v. 1,2,3)
A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito e oferecem, aos Espíritos que encarnam neles, moradas correspondentes ao adiantamento dos mesmos Espíritos. Independente da diversidade dos mundos, essas palavras de Jesus também podem referir-se ao estado próspero ou desgraçado do Espírito na erraticidade*. Conforme se ache este mais ou menos purificado e desprendido dos laços materiais, o meio em que ele se encontre, o aspecto das coisas, as sensações que experimente e as percepções que tenha variarão ao infinito. Enquanto uns não se podem afastar da esfera onde viveram, outros se elevam e percorrem o espaço e os mundos; enquanto alguns Espíritos culpados erram nas trevas, os bem-aventurados gozam de resplendente claridade e do espetáculo sublime do Infinito; finalmente, enquanto o mau, atormentado de remorsos e pesares, muitas vezes isolado, sem consolação, separado dos que constituíam objeto de suas afeições, pena sob o peso dos sofrimentos morais, o justo, em convívio com aqueles a quem ama, frui as delícias de uma felicidade indizível. Também nisso, portanto, há muitas moradas, embora não circunscritas, nem localizadas.
* Erraticidade; período que o Espírito passa entre uma e outra encarnação.
Diferentes Categorias de Mundos Habitados
Do ensino dado pelos Espíritos, resulta que as condições dos mundos são muito diferentes umas das outras, quanto ao grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre eles há mundos em que os que lá encarnam são ainda inferiores aos da Terra, física e moralmente; outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos superiores a todos os respeitos. Nos orbes inferiores, a existência é toda material, reinam soberanas as paixões, sendo a vida moral quase nula. À medida que o planeta se desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
Nos mundos intermediários, o bem e o mal se misturam, predominando um ou outro, segundo o grau de adiantamento da maioria dos que os habitam. Embora não possamos fazer dos diversos mundos uma classificação absoluta, podemos dividilos, em virtude do estado em que se acham e da destinação que trazem, tomando por base as características mais salientes, de modo geral, como segue: mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana; mundos de expiação e provas, onde o mal domina; mundos de regeneração, nos quais as almas que ainda têm o que expiar extraem novas forças, repousando das fadigas da luta; mundos ditosos, onde o bem supera o mal; mundos celestes ou divinos, habitações de Espíritos depurados, onde exclusivamente reina o bem. A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, razão por que aí o homem vive abraçado com tantas misérias.
Os Espíritos que encarnam em um mundo não se acham presos a ele indefinidamente, nem atravessam nele todas as fases do progresso que lhes cumpre realizar, para atingir a perfeição. Quando em um mundo, eles alcançam o grau de adiantamento que esse mundo suporta, passam para outro mais adiantado, e assim por diante, até que cheguem ao estado de puros Espíritos. São outras tantas estações, em cada uma das quais eles se deparam com elementos de progresso apropriados ao adiantamento que já conquistaram. É uma recompensa para eles subirem a um mundo de ordem mais elevada, como é um castigo o prolongarem a sua permanência
em um mundo desgraçado, ou serem banidos para outro ainda mais infeliz do que aquele a que se veem impedidos de voltar quando se persistem no mal.
Destinação da Terra. Causa das Misérias Humanas
Muitos se admiram de que na Terra haja tanta maldade e tantas paixões grosseiras, tantas misérias e enfermidades de toda natureza, e daí concluem que a espécie humana é uma coisa bem triste. Esse pensamento vem do acanhado ponto de vista em que se colocam os que emitem isso e que lhes dá uma falsa ideia do conjunto. Devemos considerar que a Humanidade toda não está na Terra, mas apenas uma pequena fração da Humanidade. Com efeito, a espécie humana abrange todos os seres dotados de razão que povoam os inúmeros planetas do Universo. Ora, o que é a população da Terra em comparação com a população total desses mundos? Muito menos que a de uma aldeia, em confronto com a de um grande império. A situação material e moral da Humanidade terrena não tem nada que espante, desde que se leve em conta a destinação da Terra e a natureza dos que a habitam.
Quem julgasse os habitantes de uma grande cidade pela população dos seus quarteirões mais insignificantes e baixos, faria uma falsíssima ideia. Num hospital, ninguém vê senão doentes e estropiados; numa penitenciária, vemos reunidas todas as maldades, todos os vícios; nas regiões impuras, a maioria dos habitantes é pálida, franzina e enferma. Pois bem: imaginemos a
Terra como um subúrbio, um hospital, uma penitenciária, um sítio malsão – e ela é tudo isso ao mesmo tempo – e compreenderemos por que as aflições superam aos gozos, pois não se mandam para o hospital os que se acham com saúde, nem para as casas de correção os que nenhum mal praticaram; nem os hospitais e as casas de correção se podem ter por lugares de prazer. Ora, assim como, numa cidade, a população não se encontra toda nos hospitais ou nas prisões, também na Terra não está a Humanidade inteira. E, do mesmo modo que do hospital saem os que se curaram e da prisão os que cumpriram suas penas, o homem deixa a Terra, quando está curado de suas enfermidades morais.
Mundos Superiores e Mundos Inferiores
A qualificação de mundos inferiores e mundos superiores não tem nada de
absoluto; é, antes, muito relativa. Tal mundo é inferior ou superior com referência aos que lhe estão acima ou abaixo, na escala progressiva.
Tomando a Terra por comparação, podemos fazer ideia do estado de um mundo inferior, supondo os seus habitantes na condição das raças selvagens ou das nações bárbaras que ainda entre nós se encontram, restos do estado primitivo do nosso orbe. Nos mais atrasados, os seres que os habitam são de certo modo mais rudes. Revestem a forma humana, mas sem nenhuma beleza. Seus instintos não têm a abrandá-los qualquer sentimento de delicadeza ou de benevolência, nem as noções do justo e do injusto. Entre eles, a força bruta é a única lei. Carentes de indústrias e de invenções, passam a vida na conquista de alimentos. Entretanto, Deus não abandona nenhuma de suas criaturas; no fundo das trevas, permanece da inteligência latente a vaga intuição, mais ou menos desenvolvida, de um Ser supremo. Esse instinto basta para torná-los superiores uns aos outros e para lhes preparar a promoção a uma vida mais completa, pois eles não são seres degradados, mas crianças que estão a crescer. Entre os degraus inferiores e os mais elevados, há inúmeros outros, e difícil é reconhecer-se nos Espíritos puros, desmaterializados e resplandecentes de glória, os que foram esses seres primitivos, do mesmo modo que no homem adulto se custa a reconhecer o embrião.
Nos mundos que chegaram a um grau superior, as condições da vida moral e material são muitíssimo diversas das da vida na Terra. Como por toda parte, a forma corporal aí é sempre a humana, mas embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo, purificada. O corpo nada tem da materialidade terrestre e por isso não está sujeito às necessidades, nem às doenças ou deteriorações que a predominância da matéria provoca. Por serem mais apurados, os sentidos são aptos a sensações a que neste mundo a grosseria da matéria impede. A leveza específica do corpo permite locomoção rápida e fácil: em vez de se arrastar penosamente pelo solo, desliza, a bem dizer, pela superfície, ou plana na atmosfera, sem qualquer outro esforço além do da vontade, conforme se representam os anjos, ou como os antigos imaginavam os manes nos Campos Elíseos. Por sua vontade os homens conservam os traços de suas passadas migrações e se mostram a seus amigos tais quais estes os conheceram, porém, irradiando uma luz divina, transfigurados pelas impressões interiores, então sempre elevadas. Em lugar de semblantes descorados, abatidos pelos sofrimentos e paixões, a inteligência e a vida brilham com a claridade que os pintores têm figurado no nimbo ou auréola dos santos.
A pouca resistência que a matéria oferece a Espíritos já muito adiantados
torna rápido o desenvolvimento dos corpos e encurta ou quase anula a infância. Isenta de cuidados e angústias, a vida é proporcionalmente muito mais longa do que na Terra. Em princípio, a longevidade guarda proporção com o grau de adiantamento dos mundos. A morte de modo algum acarreta os horrores da decomposição; longe de causar pavor, é considerada uma transformação feliz, por isso que lá não existe a dúvida sobre o porvir. Durante a vida, a alma, já não tendo a constringi-la a matéria compacta, expande-se e goza de uma lucidez que a coloca em estado quase permanente de emancipação e lhe consente a livre transmissão do pensamento.
Nesses mundos venturosos, as relações, sempre amistosas entre os povos, jamais são perturbadas pela ambição, da parte de qualquer deles, de escravizar o seu vizinho, nem pela guerra que daí decorre. Não há senhores, nem escravos, nem privilegiados pelo nascimento; só a superioridade moral e intelectual estabelece diferença entre as condições e dá a supremacia. A autoridade merece o respeito de todos, porque somente ao mérito é conferida e se exerce sempre com justiça. O homem não procura elevar-se acima do homem, mas acima de si mesmo, aperfeiçoando-se. Seu objetivo é escalar a categoria dos Espíritos puros e esse desejo não é um tormento para ele, porém, uma ambição nobre, que o induz a estudar com ardor para igualá-los. Lá, todos os sentimentos delicados e elevados da natureza humana se acham engrandecidos e purificados; desconhecem-se os ódios, os ciúmes mesquinhos, as baixas cobiças da inveja; um laço de amor e fraternidade prende uns aos outros todos os homens, ajudando os mais fortes aos mais fracos. Possuem bens, em maior ou menor quantidade, conforme os tenham adquirido, mais ou menos por meio da inteligência; ninguém, todavia, sofre, por lhe faltar o necessário, uma vez que ninguém se acha em expiação. Numa palavra: o mal, nesses mundos, não existe.
No vosso, precisam do mal para sentirem o bem; da noite, para admirarem a luz; da doença, para apreciarem a saúde. Naqueles outros não há necessidade desses contrastes. A eterna luz, a eterna beleza e a eterna serenidade da alma proporcionam uma alegria eterna, livre de ser perturbada pelas angústias da vida material, ou pelo contato dos maus, que lá não têm acesso. Isso o que o espírito humano maior dificuldade encontra para compreender. Ele foi bastante engenhoso para pintar os tormentos do inferno, mas nunca pôde imaginar as alegrias do céu. Por quê? Porque, sendo inferior, só há experimentado dores e misérias, jamais entreviu as claridades celestes; não pode, pois, falar do que não conhece. No entanto, à medida que se eleva e se purifica, o horizonte se abre e ele compreende o bem que está diante de si, como compreendeu o mal que lhe está atrás. Entretanto, os mundos felizes não são orbes privilegiados, visto que Deus não é parcial para qualquer de seus filhos; a todos dá os mesmos direitos e as mesmas capacidades para chegarem a tais mundos. Todos partem do mesmo ponto e a nenhum deles, Ele beneficia melhor do que aos outros; a todos são acessíveis as mais altas categorias: apenas lhes cumpre a eles conquistá-las pelo seu trabalho, alcançá-las mais depressa, ou permanecer inativos por séculos de séculos no lodaçal da Humanidade.
Mundos de Expiações e Provas
Que vos direi dos mundos de expiações que vocês já não saibam, pois basta observarem o em que habitam? A superioridade da inteligência, em grande número dos seus habitantes, indica que a Terra não é um mundo primitivo, destinado à encarnação dos Espíritos que acabaram de sair das mãos do Criador. As qualidades inatas que eles trazem consigo é a prova de que já viveram e realizaram certo progresso. Mas, também, os numerosos vícios a que se mostram propensos constituem o índice de grande imperfeição moral. Por isso Deus os colocou num mundo ingrato, para expiarem aí suas faltas, mediante penoso trabalho e misérias da vida, até que tenham merecido subir a um planeta mais ditoso.
Entretanto, nem todos os Espíritos que encarnam na Terra vão para aí em expiação. As raças a que chamais selvagens são formadas de Espíritos que apenas saíram da infância e que na Terra se acham, por assim dizer, em curso de educação, para se desenvolverem pelo contato com Espíritos mais adiantados. Vêm depois as raças semi civilizadas, constituídas desses mesmos Espíritos em via de progresso. De certo modo elas são raças indígenas da Terra, que aí se elevaram pouco a pouco em longos períodos de séculos, algumas das quais tem podido chegar ao aperfeiçoamento intelectual dos povos mais esclarecidos.
Os Espíritos em expiação – se podemos exprimir dessa forma – são exóticos, na Terra; já viveram noutros mundos, donde foram excluídos em consequência da sua rebeldia no mal e por se haverem constituído causa de perturbação para os bons em tais mundos. Tiveram de ser banidos para o meio de Espíritos mais atrasados por algum tempo, com a missão de fazer que estes últimos avançassem, pois que levam consigo inteligências desenvolvidas e o gérmen dos conhecimentos que adquiriram. Daí vem que os Espíritos em punição se encontram no seio das raças mais inteligentes. Por isso mesmo, para essas raças é que de mais amargor se revestem os infortúnios da vida. É que há nelas mais sensibilidade, sendo, portanto, mais provadas pelas contrariedades e desgostos do que as raças primitivas, cujo senso moral se acha mais embotado. Como consequência, a Terra oferece um dos tipos de mundos expiatórios, cuja variedade é infinita, mas revelando todos, como caráter comum, o servirem de lugar de exílio para Espíritos rebeldes à lei de Deus. Esses Espíritos têm aí de lutar, ao mesmo tempo, com a perversidade dos homens e com a inclemência da Natureza, duplo e árduo trabalho que simultaneamente desenvolve as qualidades do coração e as da inteligência. É assim que Deus, em sua bondade, faz que o próprio castigo resulte em proveito do progresso do Espírito. Santo Agostinho (Paris, 1862)
Mundos Regenerados
Entre as estrelas que cintilam na abóbada azul do firmamento, quantos mundos não haverá como o vosso, destinados pelo Senhor à expiação e à provação! Mas, também há os mais miseráveis e melhores, como há os de transição, que se podem denominar de regeneradores. Cada turbilhão planetário, a deslocar-se no espaço em torno de um centro comum, arrasta consigo seus mundos primitivos, de exílio, de provas, de regeneração e de felicidade. Já vos foi falado de mundos onde a alma recém-nascida é colocada dona de si mesma, na posse do livre-arbítrio quando ainda ignorante do bem e do mal, mas com a possibilidade de caminhar para Deus. Já também vos foi revelado de que amplas capacidades é dotada a alma para praticar o bem. Ah! Mas há as que caem, e Deus, que não as quer destruídas, lhes permite irem para esses mundos onde, de encarnação em encarnação, elas se depuram, regeneram e voltam dignas da glória que lhes fora destinada. Os mundos regeneradores servem de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes. A alma penitente encontra neles a calma e o repouso e acaba por purificar-se. Sem dúvida, em tais mundos o homem ainda se acha sujeito às leis que regem a matéria; a Humanidade experimenta as vossas sensações e desejos, mas liberta das paixões desordenadas de que são escravos, isenta do orgulho que impõe silêncio ao coração, da inveja que a tortura, do ódio que a sufoca. Em todas as partes se vê a palavra amor escrita; perfeita igualdade preside às relações sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.
Todavia, nesses mundos ainda não existe a felicidade perfeita, mas o começo da felicidade. O homem lá é ainda de carne e, por isso, sujeito às vicissitudes de que só se acham libertos os seres completamente desmaterializados. Ainda tem de suportar provas, porém, sem as dolorosas angústias da expiação. Comparados à Terra, esses mundos são bastante ditosos e muitos dentre vós se alegrariam de habitá-los, pois que eles representam a calma após a tempestade, a restauração após a moléstia cruel. Contudo, menos absorvido pelas coisas materiais, o homem se aproxima do futuro melhor do que vós; compreende a existência de outros prazeres prometidos pelo Senhor aos que deles se mostrem dignos, quando a morte lhes houver de novo matado os corpos, a fim de lhes conceder a verdadeira vida. Então a alma liberta se erguerá acima de todos os horizontes. Não mais haverá sentidos materiais e grosseiros; somente os sentidos de um perispírito puro e celeste, a aspirar as emanações do próprio Deus, nos aromas de amor e de caridade que do seu seio emanam.
Ah! Mas nesses mundos, ainda o homem é falível e o Espírito do mal não tem perdido completamente o seu império. Não avançar é recuar, e, se o homem não se houver firmado bastante na senda do bem, pode recair nos mundos de expiação, onde, então, novas e mais terríveis provas o aguardam. Então, contemplem à noite, à hora do repouso e da prece, a abóbada azulada e, das inúmeras esferas que brilham sobre as vossas cabeças, indaguem de vós mesmos quais as que conduzem a Deus e pedi-lhe que um mundo regenerador vos abra seu seio, após a expiação na Terra.
Santo Agostinho (Paris, 1862)
Fonte: Evangelho Segundo o Espiritismo